A instituição do piso da enfermagem (Lei 14.434, de 4 de agosto de 2022) é um justo reconhecimento para uma categoria imprescindível para o Brasil e para a saúde dos brasileiros. Além do mérito inquestionável, a medida reconhece os esforços históricos, a dedicação incansável e a superação desses profissionais, especialmente na pandemia da COVID-19.
Para estados e municípios, o piso deveria ser honrado a partir de 2023. No entanto, por não indicar fonte de financiamento para as novas despesas, os efeitos da lei estão suspensos por decisão do plenário do STF. As estimativas do impacto da medida variam entre R$ 10 bilhões e R$ 15 bilhões/ano devido a diferentes metodologias empregadas.
O piso, por exemplo, deve considerar a totalidade da remuneração, ou seja, os vencimentos totais e não apenas os salários. Além disso, é preciso garantir a sustentabilidade das aposentadorias sob regimes próprios; contemplar os funcionários contratados por instituições filantrópicas, organizações sociais e conveniadas, e também as diferentes interpretações a respeito da carga horária.
Neste momento, tramitam propostas de financiamento do piso com novo aumento de 1,5% do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). A FNP não se opõe que o valor repassado aos municípios seja o equivalente a esse acréscimo, da ordem de R$ 9,2 bilhões/ano. Todavia, alerta que é flagrantemente inadequado utilizar os critérios de distribuição do FPM para atender a nova despesa.
O FPM, ao partilhar parcela de tributos de competência federal por faixas populacionais, repassa recursos inversamente proporcionais ao número de moradores de cada município. Além disso, 25% dessas transferências estão vinculadas ao ensino. Ou seja, é um mecanismo absolutamente impróprio para financiar a nova obrigação, que é proporcional ao sistema de saúde público de cada localidade.
A partilha do FPM não guarda qualquer relação com os impactos efetivos da medida, exclusivamente dependentes do número de profissionais de enfermagem e das diferenças entre o piso e os respectivos vencimentos vigentes. O quadro abaixo evidencia essa situação.
Observa-se que os 1.248 municípios de até cinco mil habitantes da amostra, que reúnem 4,18 milhões de habitantes, têm contratados pouco mais de dez mil profissionais. Nesse caso, se o FPM fosse aumentado em 1,5%, essas localidades recepcionariam o superestimado valor de R$ 5,46 mil mensais por profissional. Já os quase 50 municípios acima de 500 mil habitantes, onde vivem 15,4 vezes mais brasileiros, e atuam mais de 232 mil profissionais, o equivalente a 40% do todo, o valor disponível para sustentar as diferenças salariais seriam modestos e insuficientes R$ 255 mensais.
O financiamento de uma ação pública deve guardar relação direta com a sua despesa. No caso da educação, por exemplo, o repasse de recursos aos entes, por meio do Fundeb, se dá em função direta do número de alunos matriculados em cada etapa do ensino.
Assim, os resultados por faixa populacional demonstram a absoluta inadequação desses critérios de partilha como estratégia para a implementação do piso. Além disso, ainda seria preciso observar que dezenas de municípios populosos, como é o caso do g100, grupo de 112 municípios com alta vulnerabilidade social e baixa receita per capita, onde vivem 23,8 milhões de brasileiros, atuam 43,5 mil profissionais. Nesse grupo as receitas são escassas e os salários, via de regra, mais baixos. E como são cidades com mais de 80 mil habitantes, recepcionariam valores pouco representativos de FPM.
Assim, fica evidenciado que os critérios de partilha do FPM são inadequados para sustentar o pagamento do piso. Para garantir que os recursos sejam destinados exclusivamente à saúde, a FNP defende que os valores sejam transferidos do Fundo Nacional de Saúde para os fundos municipais, obedecendo critérios técnicos diretamente proporcionais ao número de profissionais de enfermagem e à população do município.
Brasília, 13 de outubro de 2022.
Frente Nacional de Prefeitos