Dados revelados durante encontro virtual, realizado nessa terça-feira, 15, mostram que lesões causadas no trânsito são a 5ª causa principal de mortes; especialistas em mobilidade apresentaram passos para deixar cidades mais seguras e acessíveis para todos
Cerca de 1,35 milhão de pessoas morrem por ano no mundo em ocorrências de trânsito. As lesões causadas por esses sinistros já são a 5ª causa principal de mortes em todas as idades, principalmente entre crianças e jovens de até 29 anos. Os dados, considerados alarmantes, foram apresentados nessa terça-feira, 15, durante a terceira oficina de apoio aos municípios para elaboração do Plano de Mobilidade Urbana (PlanMob), promovido pela Frente Nacional de Prefeitos (FNP), por meio do Projeto AcessoCidades, em parceria com o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) e o Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes de Mobilidade Urbana. Serão seis oficinas até abril, quando se encerra o prazo para formulação do plano para municípios com mais de 250 mil habitantes.
Com o tema “Mobilidade ativa”, as entidades reuniram especialistas para falar sobre como incorporar a mobilidade ativa nos PlanMobs (coleta de dados, diagnósticos e prognósticos), aspectos centrais de sistemas seguros pela perspectiva Visão Zero e exemplos práticos de análises baseadas em evidências. Veja aqui a oficina.
Andressa Ribeiro, analista pelo WRI Brasil, explicou que o objetivo do instituto é apoiar projetos que tenham impacto real na mobilidade urbana, desenvolvimento urbano, saúde, segurança viária, água, energia e governança, com intuito de melhorar a vida da população brasileira e latino-americana. “Criamos passos de atuação para construir um PlanMob, referendado e adotado como metodologia oficial pelo Ministério das Cidades”, adiantou. Veja aqui os Sete Passos.
Segundo a analista, automóveis particulares ainda são considerados um grande “sonho de consumo”. “Pessoas associam os carros como esse sonho. E isso é um benefício para a indústria, também pela facilidade de investimento. Dessa forma, temos cada vez mais espaços para carros, enquanto os problemas das cidades não deixam de acontecer. É necessário mudar a gestão e o planejamento desses espaços”, afirmou.
Dados apresentados pelo WRI Brasil mostram que, atualmente, a taxa de motorização no Brasil é de 471 veículos para cada mil habitantes – em 2001, esse número era de 168. “Isso impacta negativamente a população, com diminuição dos espaços para novos ativos”, lamentou Andressa. Como consequência dessa motorização, as cidades enfrentam congestionamentos; impactos no transporte coletivo e má qualidade do serviço; tempo maior de deslocamento; redução de passageiros; e impactos na produtividade, com perda de tempo e aumento de custos. “Isso gera impactos diretos na vida das pessoas, que poderiam se dedicar a outras coisas e não conseguem”, constatou.
Outro fator preocupante é o da velocidade. Entre 2011 e 2020, 380 mil pessoas morreram no Brasil devido aos sinistros de trânsito. “Um dos principais fatores de risco quanto à segurança viária é a velocidade e vulnerabilidade do corpo humano. Isso está diretamente relacionado ao risco de ocorrência de sinistros e ao aumento da severidade deles”, destacou a analista do WRI. “Carro não é vilão, mas há necessidade de gerir essa demanda para que todos se desloquem com eficiência, saúde e confiabilidade”, ponderou.
Pirâmide invertida
A Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei 12.587/2012) traz como um dos princípios a inversão da pirâmide, focando primeiramente nos mais vulneráveis: os pedestres – veículo individual motorizado fica na base. “Mas para isso acontecer, é necessário um trabalho coordenado e planejado”, argumentou Andressa.
Representando a Iniciativa Bloomberg para a Segurança Global no Trânsito, Dante Rosado e Diogo Lemos corroboraram com a importância da pirâmide invertida para reduzir o número de mortes no trânsito. “Segurança viária é um problema global de saúde pública”, alertou Dante. De acordo com o especialista, a Iniciativa Bloomberg pretende prevenir mais de 300 mil mortes até 2030 em todo o planeta. “Brasil é hoje o 3º país com maior índice de óbitos no trânsito, perdendo apenas para Índia e China. Entre 2006 e 2018, meio milhão de pessoas morreram em decorrência disso, é como se a população de Florianópolis/SC ou de Niterói/RJ sumisse do mapa”, estimou.
Segundo números nacionais levantados pela Iniciativa, motociclistas são, hoje, as maiores vítimas de sinistros (40,5%), seguidos por usuários de carros (28,5%), pedestres (21,6%) e ciclistas (4,5%), entre outros. “O impacto econômico para o país com lesões e mortes é enorme. O custo foi de R$ 1,5 trilhão entre 2007 e 2018”, observou Dante.
“Por isso, acreditamos que sistemas seguros e Visão Zero são conceitos que acreditamos ser o caminho para se criar uma abordagem e pautar ações no âmbito da mobilidade”, continuou Diogo Lemos. Ele listou cinco princípios fundamentais desse conceito: nenhuma morte no trânsito é aceitável; seres humanos cometem erros; nossos corpos são vulneráveis a lesões no trânsito; a responsabilidade é compartilhada; e a gestão da segurança no trânsito é integrada e proativa. “Adotar esses princípios pode mudar o paradigma para atuar e trabalhar na mobilidade. Na Visão Zero, olhamos para as pessoas, salvar vidas é custo-efetivo”, afirmou.
Na opinião dos dois especialistas, é imprescindível valorizar a pirâmide invertida como “novo paradigma do planejamento da mobilidade, sendo o pedestre o principal na hierarquia, como foco de mudança no planejamento urbano”, reafirmou Diogo. “Cidades mais seguras e saudáveis para pessoas têm predominância de espaço para pedestres, ciclistas e velocidade segura, priorizando os mais vulneráveis.”
Importância dos dados
Representando o Instituto Cordial, Luís Fernando Meyer compartilhou a visão de como o uso de dados na elaboração e implementação de políticas públicas urbanas pode ser importante. “Partimos também da Visão Zero, de que nenhuma morte no trânsito é aceitável”, acentuou. O instituto implementou o Painel da Segurança Viária, iniciativa que busca contribuir para zerar mortes no trânsito no país. A metodologia foi dividida em ciclos e realizada em quatro cidades: Belo Horizonte, São Paulo, Rio de Janeiro e Fortaleza.
Entre as abordagens utilizadas para coletar dados e pensar políticas de mobilidade ativa, estão atributos dos sinistros e das vítimas; mapa de análise de pontos críticos; análise comparativa de atributos de contexto, modelos preditivos de risco viário (intervenção antes de ocorrerem mortes), e avaliação de impactos e intervenções. “É preciso aprender com o passado para prevenir no futuro”, lembrou.
“Políticas e intervenções de segurança viária dependem de dados para serem embasados em evidências, permitindo implementações mais eficazes. Com o uso de dados, é possível construir uma cultura, pois eles são parte estrutural para a elaboração de políticas públicas. Além disso, o uso de dados para elaboração de políticas aumenta a transparência do setor público municipal e fortalece a confiança da população em relação ao trabalho da prefeitura”, finalizou Luís.
Exemplo de boa prática
Em Fortaleza/CE, os esforços estão para tornar a cidade a mais cicloviária do país. Quem comenta é Victor Macêdo, da Fundação de Ciência, Tecnologia e Inovação de Fortaleza, que mostrou que a infraestrutura viária passou de 68 km em 2013 para 409,9 km em 2021. “Por muito tempo, o paradigma mais difundido foi o que priorizava o automóvel, normalmente é assim na maioria das cidades brasileiras. Entretanto, viramos a pirâmide de ponta cabeça valorizando os mais vulneráveis, com a visão de que o foco seja as pessoas.”
Entre as estratégias para adotadas pela capital cearense para a política de mobilidade urbana sustentável, estão a equidade, a sustentabilidade e a saúde pública. “Priorizamos uma maior divisão equitativa do espaço viário, meios de transporte sustentáveis e prevenção de mortes e lesões graves nas vias”, citou.
Victor afirmou que o “projeto está em constante monitoramento e há comunicação dos resultados para estratégias mais assertivas.” Para valorizar a pirâmide invertida, segundo ele, Fortaleza investiu, além das ciclovias, em veículos elétricos, renovação da frota, faixas exclusivas para ônibus. Para pedestres, houve diversas ações voltadas para redução de velocidade nas vias, faixas elevadas, travessias em X, semáforos com tempo de pedestres e projetos como Esquinas Seguras, Caminhos da Escola e micro parques urbanos, mais voltados para a natureza.
“Espaços públicos requalificados contribuem para uma cidade mais segura, reduz violência e traz as pessoas mais para perto do espaço urbano. Queremos criar, acima de tudo, cidade para pessoas, para que elas tenham senso de pertencimento. Queremos reavaliar a relação das crianças com as cidades, pois quando preparamos a cidade para pessoas estamos mudando paradigmas para uma nova geração. A maior marca, além de salvar vidas, é vivenciar e ver as pessoas ocupando as cidades”, concluiu.
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