30/06/21

Financiamento do transporte público é tema de encontro entre gestores do Brasil, Espanha e Itália

Segunda troca de experiências, promovida pelo Projeto AcessoCidades, reuniu gestores de mobilidade urbana para falar sobre modelos e fontes de custeio para o setor

Modelos e fontes de custeio de transporte público, de acordo com a realidade local de cada país, nortearam a segunda troca de experiências promovida pelo “Projeto AcessoCidades: cidades mais acessíveis e conectadas”, nesta quarta-feira, 30. A iniciativa, coordenada pela Frente Nacional de Prefeitos (FNP), recebeu gestores de mobilidade urbana do Brasil, Espanha e Itália em um debate virtual para falar sobre financiamento do transporte público.

O Projeto AcessoCidades é uma parceria da FNP com a Confederación de Fondos de Cooperación y Solidaridad (Espanha) e a Associazione Nazionale Comuni Italiani (ANCI/Itália), cofinanciada pela União Europeia. A primeira troca de experiências pelo projeto foi realizada em abril, abordando o transporte público e a COVID-19. Saiba mais.

Setfan Agnes, chefe de cooperação da delegação da União Europeia no Brasil, afirmou que “a valorização do transporte público tem uma importância inquestionável.” Na opinião de Agnes, é preciso investir cada vez mais em sustentabilidade e acessibilidade aos usuários. “É preciso pensar em soluções de mobilidade ativa, garantindo boa acessibilidade a residentes e trabalhadores locais. Os trabalhadores essenciais têm sido cada vez mais expostos à COVID-19, por exemplo, e o projeto pode ajudar a pensar estratégias e soluções para o transporte público nesse sentido, para melhorar a condição de vida dessas pessoas.”

O secretário de Mobilidade Urbana de São José dos Campos/SP e presidente do Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes de Mobilidade Urbana, Paulo Guimarães, frisou como o sistema brasileiro ainda carece de modernização. “No Brasil, ainda temos a tarifa como forma de financiamento integral. Nenhum sistema consegue se sustentar somente dessa forma”, lamentou. Guimarães adiantou que o setor pretende envolver o governo federal nessa discussão. “Estamos trabalhando bastante para convencer o governo central de que chegou a hora de ter uma participação maior na gestão e na condução do transporte e na política de mobilidade urbana. Ainda não sentimos uma presença muito efetiva”, disparou.

Entre os planos para melhorar a qualidade do transporte público no Brasil, estão um marco regulatório e o aprendizado com boas práticas internacionais. “Qualidade é um fator de financiamento, queremos atrair o usuário de volta. O marco pode ser o começo dessa grande virada e restruturação que pensamos para o Brasil”, destacou Paulo Guimarães.

Na Espanha, a realidade é bem diferente. Josep Garcia, técnico de transporte público da Área de Mobilidade da Região Metropolitana de Barcelona (AMB), contou que 55% do financiamento do setor vem de subsídios das administrações, sendo que somente 45% do custo global vêm das tarifas. “Temos duas grandes maneiras diferentes de gestão e financiamento por aqui: o transporte em Barcelona é explorado por uma empresa pública, com capital público. O restante é mediante gestão indireta de empresas privadas.”

Ele disse que esse modelo de financiamento tem funcionado e revelou que o dinheiro da AMB vem de encargos/impostos dos cidadãos. “São impostos diretos vinculados ao domicílio de cada morador do território, proporcional ao tamanho da residência.” Outro ponto levantado é que as empresas que operam o sistema de transporte público em Barcelona podem ter incentivos ou penalizações, de acordo com a prestação do serviço ao usuário. “O indicador é ligado à qualidade do serviço prestado ao cidadão. Pontualidade, limpeza e cumprimento do que está definido no contrato contam para isso”, explicou Josep Garcia.

Inclusão
A representante da Itália, Tiziana Benassi, secretária de Transporte Público de Parma, comentou que a realidade da cidade é diferente de muitas. O local tem 200 mil habitantes e o sistema de transporte cobre cerca de 30% da região. “Cerca de 55% do sistema é de transporte privado, 28% de ônibus e o restante é de trânsito de bicicletas”, destacou. Outra particularidade é que os ônibus escolares são financiados pelo município. “É um serviço que gostamos muito porque oferece benefícios às famílias. E se quisermos aumentar o número de ingressos no transporte público, temos que fazer com que eles sejam atrativos”, avaliou.

Em Parma, existem taxas diferenciadas para algumas categorias, incluindo famílias com mais de quatro pessoas. “Falar disso é falar de direito à mobilidade, porque essas pessoas normalmente são excluídas, não podem se deslocar adequadamente.” Além de ampla cobertura de horários de ônibus rodando, Tiziana aposta em mais tecnologia para atrair usuários. “Quando o serviço é fácil dentro de aplicativos que permitem ver, em tempo real, os horários dos ônibus, as paradas mais próximas etc., as pessoas usam mais o transporte. Além disso, o veículo tem que ser novo, atrativo e inclusivo”, ponderou.

Ela finalizou dizendo que um programa de “tarifa zero” pode não ser a forma mais adequada de financiar o sistema. “Houve uma discussão na Itália a respeito desse tema de tarifa zero. Pessoalmente, não estou muito convencida que isso seja uma forma de incentivo ao serviço de transporte público. Não acredito que possa fazer a diferença na visão do serviço à cidade. É diferente quando temos um serviço acessível a todos, apropriado, adequado.”

Antônio Ferreira, vice-presidente da Empresa de Transporte Urbano de Fortaleza/CE, acredita que o problema do financiamento do setor “é o maior desafio a ser superado no Brasil, mas ainda sem solução aparente.” Ele defende uma nova modelagem de contratos e inserção de boas práticas de outros lugares. “Nosso sistema já estava em crise antes, com a pandemia isso só se acentuou.”

Com a COVID-19, Ferreira alegou que houve queda de 80% da demanda por transporte público na cidade. “Não dá mais para o sistema ser autossustentável, com recursos vindos somente das tarifas.” Ele contou que, apesar do colapso no setor, Fortaleza tenta se reerguer com mais integração entre os modais. “Investimos em 126 quilômetros de priorização para o transporte coletivo, sendo uma parte só para corredores exclusivos para ônibus e outra para ciclofaixas. Existe uma integração muito forte entre os transportes”, disse.

AcessoCidades
O “Projeto AcessoCidades: cidades mais acessíveis e conectadas” é uma iniciativa cofinanciada pela União Europeia e coordenada pela FNP, que tem como parceiros internacionais a ANCI - Associazione Nazionale Comuni Italiani (Italiana) e a Confederación de Fondos de Cooperación y Solidaridad (Espanhola). A iniciativa visa qualificar políticas de mobilidade urbana no Brasil a partir da troca de experiências entre cidades e da capacitação de municípios no uso de dados abertos para o planejamento de transportes, com vistas ao desenvolvimento sustentável e o combate às desigualdades sociais.

O projeto terá duração de três anos (entre 2021 e 2023) e quatro eixos de atuação: governança; diagnóstico e capacitação; planejamento e viabilização de boas práticas; e engajamento.

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Os assuntos tratados neste texto estão localizados nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 11 - Cidades e Comunidades Sustentáveis; 17 - Parcerias e Meios de Implementação. Saiba mais aqui.

 

Redator: Jalila ArabiEditor: Livia Palmieri
Última modificação em Terça, 24 de Agosto de 2021, 14:47
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