*Douglas Henrique Antunes Lopes - Desde o fim de 2019, o mundo tem sido assolado pela pandemia de COVID-19, de modo que acompanhamos apreensivos as decisões dos governos mundiais em seus esforços pela contenção do vírus, o que faz emergir os debates acerca do papel do Estado. Tratam-se, sobretudo, de debates envolvendo a gestão pública que tem nas suas mãos a responsabilidade de manter seus entes em segurança (ou pelo menos deveriam).
Ocorre que, a partir da segunda metade do século XX, as sociedades consolidaram complexas relações de produção, sujeitas aos movimentos do mercado financeiro. Consideramos, portanto, a existência de dois mercados diversos coexistentes em âmbito global. O primeiro deles é o financeiro - que nada produz e, em síntese, se alimenta de taxas de juros, compra e venda de ações, títulos e, assim por diante. Seus investidores é que determinam para quais empresas seus capitais serão destinados. O segundo mercado coexistente é o produtivo - o qual fica refém dos investimentos e opera, como o nome indica, da produção, ou seja, da transformação da matéria prima em produto pela força do trabalho.
Evidentemente, existem mais fatores complexos, no entanto, é possível dizer com segurança que é nessa contradição entre, financiamento e produção, que reside o cerne do nosso problema, pois as demandas produtivas são incessantes, sobretudo aquelas consideradas essenciais. Portanto, a mão de obra deve estar presente nas fábricas e prestações de serviços para dar sustentação às demandas da população num contexto em que a convivência social traz o risco de contaminação e proliferação do vírus.
Nos deparamos com uma lacuna do sistema econômico, de modo que a grande massa que vende sua mão de obra, dificilmente tem condições de poupar para ficar sem trabalhar por longos períodos. Apesar de a metáfora da formiga e da cigarra ser recorrente para estimular a dedicação ao trabalho, a economia é planejada para que apenas uma pequena parcela da população possa concentrar renda.
De acordo com os dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PENUD), publicado em 15/12/2020, 1% da população brasileira concentra 28,3% da renda nacional. Além disso, 10% da população detém 42,5% e os 40% mais pobres ficam com apenas 10,4% da renda brasileira.
Se recorrermos novamente às formigas para uma metáfora econômica, é fácil verificar que não há essa desigualdade entre as operárias de um formigueiro e que todas elas trabalham arduamente e tem os acessos aos mesmos recursos do que as outras.
Claramente nos distinguimos das formigas, nossas culturas e sociedades são mais complexas, no entanto, devemos levar em consideração o elemento da distribuição de renda e perguntar por que, se todos trabalhamos para produzir esse montante, nem todos temos as mesmas condições de segurança e dignidade?
A superação da pandemia depende de medidas inteligentes para garantia da dignidade humana. Para haver produção é necessário, antes de tudo, garantir a biossegurança. O que requer mais inteligência do que recursos, como se mostraram as políticas de monitoramento do Vietnã, que com uma população de 95,54 milhões, teve apenas 2.421 casos e 35 mortes, enquanto nós já tivemos contabilizados mais de 11 milhões de casos e quase 282.127 vidas ceifadas.
*Douglas Henrique Antunes Lopes é professor de Filosofia da Área de Humanidades do Centro Universitário Internacional Uninter