11/02/15

A gestão financeira municipal no Estado federativo brasileiro

Artigo publicado originalmente no jornal Folha de S.P.

A gestão financeira é uma atividade essencial do Estado. O poder público só existe, efetivamente, na medida em que dispõe de recursos que tornem possível a realização de seus objetivos. Sem eles, o governante não realiza o que dele se espera, desgasta-se aos olhos dos governados e termina por eles apeado de suas funções de mando na primeira eleição.

A previsibilidade em matéria de receita e despesa, com a eliminação de condutas não respaldadas pelas leis orçamentárias, permite ao governo e à população avaliar, dia a dia, os rumos da administração, prevenindo situações indesejadas que impactam, de maneira invariavelmente negativa, governados, contribuintes e, em última análise, o próprio governo, na medida em que corrói sua base de apoio.

No caso específico do Estado brasileiro, caracterizado pelo federalismo de dois níveis, é indispensável uma sintonia fina, no tocante à gestão financeira, entre a União e os demais entes federativos.

As obrigações do poder central em face das Prefeituras são múltiplas e complexas.

Os municípios viabilizam a execução orçamentária utilizando nossa moeda – o Real - cuja emissão, controle e sanidade são tarefas exclusivas do governo federal. É fácil, pois, entender que, sempre que a taxa de inflação do país escapa ao centro da meta ou a arrecadação federal não alcança os níveis previstos, o Real sofre desgaste em seu poder de compra, a expressão monetária da despesa dos Municípios se amplia e as finanças das Prefeituras entram em desequilíbrio, por competente que sejam os quadros nelas encarregados de compatibilizar a arrecadação e a despesa.

Numa dimensão mais estreita, é preciso que os programas e projetos federais avaliem previamente as condições das finanças da Prefeitura antes de conceder benefícios ou repassar encargos que dele decorrem.

Centro logístico da maior importância em termos nacionais, Sorocaba é referência necessária para dezenas de municípios em seu entorno, inclusive no tocante a programas de saúde.

Sua Prefeitura segue, desde antes do início de meu governo, uma política de saúde mental alicerçada no atendimento ambulatorial dos pacientes, a qual converge para a proposta das residências terapêuticas geridas pelos próprios assistidos, com apoio técnico das equipes locais de saúde mental.
À margem dessa linha de atuação do poder público, por razões que não vem ao caso aqui historiar, seu território e o de municípios que lhe são vizinhos foram escolhidos, em outras eras, para sediar grandes hospitais psiquiátricos. Todos eles, invariavelmente, eram particulares e operavam em convênio com o SUS, sem vínculos com o Município.

Em 2013, pouco depois de assumir o governo, fui surpreendido por uma articulação entre o Ministério da Saúde e o Ministério Público Estadual.

Como parte da política antimanicomial conduzida pela União tal articulação impôs à Prefeitura o encargo de atender cerca de 700 pacientes institucionalizados, muitos dos quais provenientes das mais remotas regiões do Estado de São Paulo.

A proposta federal tem muitos pontos positivos, vários dos quais coincidem com o sério trabalho que estamos realizando, no âmbito do Município, para melhor atender os portadores de problemas mentais. Havia, pois, um amplo espaço de atuação comum a ser definido na mesa de conversações.

Ocorre que fomos compelidos a assumi-la, redimensionando drasticamente nosso trabalho, com delicadeza similar àquela que, numa rodovia de uma pista só, margeando uma ribanceira, um condutor de carreta mal humorado utiliza para “convencer” o condutor de um carro 1.0 a lhe dar passagem.

Como foi dito antes, obviamente, não tínhamos, naquele momento, estrutura física e recursos humanos suficientemente numerosos para assumir o encargo. Tivemos, no entanto, de fazê-lo, suportando as previsíveis tensões sobre o nosso sistema de gestão financeira.

Entendo que os Municípios devem cuidar de sua gestão financeira com a máxima eficiência e contribuir para que outros entes federativos possam fazer o mesmo. E têm condições para isso.

Um dos sérios impasses de nossas grandes cidades situa-se no campo da mobilidade urbana. Para enfrentá-lo, a Frente Nacional de Prefeitos levou ao Planalto a proposta de criação do Reitup (Regime Especial de Incentivo ao Transporte Coletivo Urbano e Metropolitano de Passageiros) e outras formas de financiamento do transporte público, reiterando, ampliando e inovando propostas que, nesse sentido, já fizera em momentos anteriores.

Até agora, no entanto, muito pouco dessas valiosas contribuições, alicerçadas em fundamentos técnicos e no conhecimento prático da realidade do transporte público nos Municípios, foi aproveitado pelo governo federal.

Poucos sabem, mas hoje, os Municípios com atuação bem planejada na área da mobilidade urbana, subsidiam grande parte da tarifa cobrada ao usuário final.
Tem, pois, todo interesse em que esse subsídio seja repensado e ampliado, de forma a trazer resultados mais palpáveis para a população que se utiliza do transporte público urbano.

É esse um importante exemplo de contribuição das municipalidades ao aprimoramento da gestão financeira, que se contrapõe ao exemplo negativo, que antes apresentei, de criação de entraves a essa mesma gestão pela via da transferência não pactuada de encargos.

Os dois casos aqui considerados são duas faces de uma mesma realidade sobre a qual os Municípios e a União têm muito que conversar.

Antonio Pannunzio
Antonio Pannunzio

/Sorocaba

Vice-presidente para Assuntos de Mobilidade Urbana

Última modificação em Quarta, 22 de Julho de 2015, 10:06
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