Poupança para o futuro das cidades Políticas públicas estimulam a diversificação econômica de olho num futuro sem royalties
*Giovanna Victer - secretária de Fazenda de Niterói e presidente do Fórum de Secretários de Finanças da Frente Nacional de Prefeitos
A história recente mostrou que o uso dos recursos extraordinários e finitos dos royalties do petróleo e gás natural em despesas permanentes comprometeu de forma preocupante o futuro de alguns países. A chamada "Doença Holandesa" contagiou nações que receberam significativas receitas pela exploração de bens naturais e acabaram, como efeito colateral, abdicando da diversificação econômica. Não é preciso, no entanto, remeter à Holanda dos anos 70, que inspirou a expressão, para encontrar sintomas dessa mazela dentro das fronteiras do Brasil, nas divisas dos estados e no limite das cidades.
No Estado do Rio, é possível identificar claramente exemplos de aplicação dos recursos dos royalties de forma pouco estratégica e imediatista, o que colocou em risco o desenvolvimento das cidades beneficiadas, no médio e no longo prazos. Os sinais nocivos manifestam-se no aumento do custeio, em obras pouco estruturantes e em dívidas contraídas para as futuras gerações, enquanto investimentos fundamentais como saneamento básico, educação e melhores condições de saúde são perigosamente preteridos.
Felizmente, é possível encontrar locais onde as vacinas para tais males estão sendo aplicadas. Niterói, por exemplo, é uma das novas joias do pré-sal no país, com arrecadação que bateu R$ 1,2 bilhão em 2018 de royalties e participações especiais. A cidade está se protegendo da tentação da gastança desenfreada por meio de uma série de ações. A principal delas é a aprovação, por emenda à Lei Orgânica Municipal, do Fundo de Equalização de Receita (FER), formado por 10% dos valores de participação especial. É uma poupança para gerações futuras se apropriarem das riquezas geradas pelos royalties do petróleo. E um colchão para amortecer a volatilidade dos preços do barril ou a queda da produção.
Já no primeiro aporte, no último dia 28, foram R$ 100 milhões. Estima-se que valores similares sejam depositados a cada ano. O dinheiro só poderá ser sacado caso a arrecadação seja inferior ao projetado pela ANP para ano fiscal corrente e o que consta na Lei Orçamentária Anual (LOA). Mais: a utilização não poderá exceder 50% da frustração de receita prevista na LOA e será limitada a 20% do saldo total. A população terá acesso ao extrato da conta pela internet, garantindo a transparência da poupança.
A iniciativa converge com a tendência dos municípios de médio e grande porte de defenderem o fortalecimento da independência financeira para consolidar o pacto federativo. Isso implica defender a autonomia para arrecadar impostos e administrá-los de acordo com as necessidades dos moradores.
Nesse contexto, políticas públicas estimulam a diversificação econômica de olho num futuro sem royalties. A cidade será cenário de 17 filmes em 2019 com o apoio do programa Niterói Audiovisual. Obras de infraestrutura, tais como a dragagem do canal de São Lourenço, vão permitir a entrada de navios de maior calado, uma necessidade da indústria naval, tradicional geradora de emprego e renda.
Poupar para futuras gerações é decisão política difícil, porque vai contra a lógica de governantes mirarem nos próximos quatro anos. O desafio aumenta a responsabilidade de gestão, uma vez que joga luz sobre quaisquer demandas frustradas da população enquanto as verbas necessárias podem estar depositadas num fundo soberano.
Pensar no futuro é um equilíbrio entre assegurar o pleno serviço público à população hoje e dar a perspectiva de dias ainda melhores para nossos filhos e netos, sem a dependência dos recursos naturais que um dia fatalmente acabarão.