Artigo publicado originalmente no jornal Folha de S.P
O STF decidiu, no último dia 25 de março, que estados e municípios que têm dívidas acumuladas terão que zerar os estoques de precatórios num prazo de cinco anos, a partir de 1º de janeiro de 2016. Até a data final do julgamento, esses créditos devem ser corrigidos pela TR e, após essa data, deve ser utilizado o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E) como índice de correção.
A decisão do Supremo admite a possibilidade de acordos diretos para o credor que quiser receber os valores de forma mais rápida, mas com um limite de redução máxima do crédito a ser recebido de 40%.
Com todo o respeito devido ao Poder Judiciário, acredito que essa decisão põe por terra todo o esforço da Frente Nacional de Prefeitos (FNP) e de outras entidades no sentido de se encontrar uma solução para o pagamento dos precatórios que não sacrifique os municípios.
A dívida com precatórios atinge mais de 700 municípios de pequeno, médio e grande portes e esta decisão do Supremo certamente deixará muitos deles à beira do caos, pois agravará profundamente a já crônica falta de recursos.
Levantamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de 2012 apontava para uma dívida acumulada de mais de R$ 90 bilhões, em valores não atualizados, a serem pagos por Estados e municípios como precatórios. Grande parte dessa dívida foi feita por administrações anteriores, que em alguns casos deixaram rombos bilionários.
Somente Guarujá tem precatórios a pagar de aproximadamente R$ 540 milhões, metade de sua receita anual própria, decorrentes de processos judiciais iniciados em administrações passadas.
Em 2013 pagamos em precatórios R$ 22,5 milhões; em 2014, R$ 31,9 milhões e este ano estão previstos pagamentos superiores a R$ 51,6 milhões. Ou seja, em apenas dois anos, o valor pago pelas dívidas contraídas em gestões anteriores mais do que dobrou. E o montante da dívida não diminuiu!
A dívida da cidade havia sido organizada pelo nosso governo para ser quitada dentro das regras estabelecidas pela Emenda Constitucional n.º 62/2009, que dava um prazo de 15 anos para pagá-la. Ocorre que essa Emenda foi declarada inconstitucional pelos ministros do STF.
Essa decisão praticamente inviabilizou os serviços essenciais e os investimentos em andamento. Como disse o ministro Marco Aurélio, advertindo contra a judicialização, no caso dos precatórios o Supremo acabou reescrevendo a Constituição.
Além disso, a decisão do STF ignora ou não leva em conta que serviços públicos essenciais como saúde, educação, infraestrutura, transporte e habitação, serão seriamente prejudicados, com danos inestimáveis para a população, principalmente para aqueles de baixa renda.
Recentemente o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, pediu a mim, como vice-presidente para Assuntos de Finanças Públicas da FNP, e ao prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, que a Frente apresente uma Proposta de Emenda à Constituição(PEC), dentro das diretrizes do STF, que possibilite os municípios quitarem seus precatórios sem comprometerem seus orçamentos.
Há muitos municípios que não conseguiriam, sequer, pagar suas dívidas no prazo estabelecido pela Emenda 62, muito menos em cinco anos. Por isso, a FNP vem também estudando uma engenharia financeira para que não se estabeleça uma insegurança jurídica e o caos financeiro nesses municípios extremamente endividados.
É incontestável que todos os credores dos poderes públicos têm o direito de receber o que lhes é devido, de forma a resguardar o princípio da legalidade. Não defendemos o calote, mas queremos uma oportunidade para que nós, enquanto agentes políticos e públicos, possamos encontrar um equilíbrio entre o necessário pagamento da dívida e a obrigação de fazer aquilo que a população espera e cobra, ou seja, investimentos para melhorar a qualidade de vida dos cidadãos.
A dívida dos municípios, portanto, não é uma via de mão única, que diz respeito apenas aos credores, pois a maneira como a enfrentamos terá consequências diretas na vida de toda a população.