16/05/23

A reforma tributária possível

José Serra,
economista

Sugiro que façamos o bom e o possível, e não fiquemos buscando eternamente o ótimo, como vem ocorrendo há anos, sem sucesso

Há muito tempo discute-se no Brasil a necessidade de uma reforma tributária, pois o sistema atual é caótico, tributa em demasia o consumo – onerando proporcionalmente mais quem ganha menos – e subtributa a renda e o patrimônio. Não é à toa que isso ocorre. É bem mais fácil cobrar tributos indiretos, como ICMS, IPI, ISS, o PIS e a Cofins, do que os diretos, como o Imposto de Renda, IPVA ou IPTU, por exemplo.

O caso do ICMS se destaca, provavelmente, como o maior problema do sistema tributário, tendo 27 legislações diferentes, que se multiplicam em milhares de normas fiscais, impossíveis de serem observadas na sua totalidade por empresas que operam em várias unidades da Federação. Os conflitos e a judicialização crescem exponencialmente.

No caso da União, há anos, o Executivo tenta fazer uma reforma que simplifique o sistema vigente e que gere uma neutralidade global na arrecadação. Paralelamente, tramitam no Congresso Nacional diversas Propostas de Emenda à Constituição (PECs) sobre o tema.

A necessidade de uma reforma tributária é compartilhada por governos, empresas e sociedade. E, se todos querem, por que não é feita? Porque cada agente tem a sua proposta e elas não são coincidentes. Os governos querem aumentar ou manter a atual carga tributária, já os contribuintes querem reduzi-la. O único consenso é na simplificação, porém até nisso pensam de maneira diferente.

As PECs em tramitação no Congresso buscam a unificação dos tributos sobre o consumo, com alíquota única e princípio de destino, sem benefícios fiscais e sem aumento de carga total, a dita neutralidade. Ao analisar essas propostas, verificamos que resultarão numa redução na tributação da indústria e num aumento expressivo da carga nos setores de serviços e da agropecuária, que compensariam a redução dos impostos do setor industrial. Algo impensável de fazer, porque impactaria diretamente nos preços dos serviços, como os de saúde, educação, transporte e construção civil, e ainda do setor agropecuário, como carne, leite, ovos, arroz, feijão, entre inúmeros outros produtos.

Os benefícios fiscais concedidos por União, Estados e municípios a empresas são outro problema a ser resolvido. A tributação totalmente no destino anularia grande parte desses benefícios, acentuando a desvantagem locacional de empreendimentos, levando a uma realocação de plantas industriais para grandes centros consumidores, com impactos significativos na economia local. A eliminação do IPI destruiria a Zona Franca de Manaus, sem que ainda existam outras atividades econômicas que a substituam. O Amazonas simplesmente teria sua economia arruinada.

Como se isso não bastasse, as PECs hoje em tramitação ainda estabelecem um grande período de transição, com a convivência entre os tributos que serão substituídos no tempo pelo novo imposto a ser criado, aumentando a complexidade dos contribuintes no cumprimento de suas obrigações acessórias e principais. Some-se a isso a dificuldade dos Fiscos em estabelecer alíquotas que sejam de fato neutras e a tendência de errar para cima, com receio da perda de receitas.

Com um tributo novo, que, por óbvio, não teria ainda sua jurisprudência consolidada no Judiciário, inúmeras teses seriam levantadas e judicializadas, podendo inviabilizar a arrecadação nos valores inicialmente estimados, com grave impacto nas finanças dos entes e no atendimento às demandas da sociedade.

Dito isso, o que fazer? O ideal seria uma reforma tributária em etapas. Começando pela unificação do PIS e da Cofins, como tributo de valor adicionado e alíquotas diferenciadas, ao menos inicialmente, aplicável para a indústria, o setor de serviços e a agropecuária, via legislação infraconstitucional. Desta forma, estaríamos testando a nova base de tributação e os riscos jurídicos e fiscais. Eliminados ou mitigados esses riscos, poder-se-ia aos poucos aumentar a carga deste tributo e ir eliminando outros, como o IPI, o ICMS e o ISS, em comum acordo entre União, Estados e municípios. Ao final, teríamos um único tributo, com alíquotas e arrecadação dividida em três partes: federal, estadual e municipal.

O próximo passo, que poderia ser dado paralelamente à unificação do PIS e da Cofins, seria a federalização da legislação do ICMS, transferindo a totalidade da capacidade legislativa ao Congresso Nacional, não permitindo mais que os Estados legislassem sobre esse imposto. As alíquotas – poucas, se possível única – seriam estabelecidas pelo Senado Federal. Os Estados seriam apenas arrecadadores e fiscalizadores deste imposto. Sempre bom lembrar que o antigo ICM, vigente até a Constituição de 1988, era assim e funcionava muito bem para todos.

Por fim, ajustar-se-ia a carga dos tributos que incidem sobre a renda e o patrimônio, que também poderiam ter suas alíquotas fixadas pelo Senado, para harmonizar o sistema tributário nacional, possibilitando, inclusive, uma redução na tributação sobre o consumo.

Há um antigo ditado que diz que o ótimo é inimigo do bom. Sugiro que façamos o bom e possível, e não fiquemos buscando eternamente o ótimo, como vem ocorrendo há vários anos, sem sucesso.

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