As manifestações populares iniciadas há algumas semanas no Chile já suscitam teorias alarmistas por aqui. Essas teses apontam para que no Brasil se reproduza o que está acontecendo por lá. Diante disso, atores políticos
ensaiam formas de como agir, como reprimir e controlar essa hipotética situação. O excludente de ilicitude voltou à tona e habita os debates mais conservadores e reacionários.
Mas e se o Chile de hoje não for o Brasil de amanhã, mas o de ontem, o de 2013? Um país democrático em ebulição, com manifestações apartidárias por direitos individuais e coletivos, de clara aversão à política, de enfraquecimento das instituições e sem lideranças definidas. Essa análise está mais alinhada com as de quem vivencia o Chile, do que com as percepções feitas a partir de binóculos, diretamente do Brasil, que presumem que seria um movimento partidário de oposição ao governo chileno.
E nessa situação, não estaria, com o excludente de ilicitude na Garantia da Lei e da Ordem (GLO), sendo proposto um remédio amargo, com características de veneno, para uma doença inexistente? Será que o Brasil não vive uma tensão iminente, por estar sendo instigado pelos flertes com a ditadura militar, período que maculou drasticamente a história brasileira? Não estariam alguns construindo convenientemente cenários sombrios e inimigos imaginários? De qualquer forma, não faz sentido algum uma licença para a repressão que afronte as vias democráticas, tão arduamente conquistadas.
E, ainda, será que justamente o remédio que está sendo prescrito, agregado ao espírito armado e belicoso que está espalhado por aqui, não trará cenas, como as vividas no Chile, de despreparo da polícia e do exército, ao ferir gravemente os olhos de mais de 200 pessoas e matar outras dezenas?
Como diz a música, “é preciso estar atento e forte”, mas é preciso também perceber o que está acontecendo no Brasil com a clareza necessária para retomar o desenvolvimento social e econômico, melhorando a qualidade de
vida da população. Porque o Brasil, que tem na sua bandeira a frase ordem e progresso, precisa reforçar o papel das instituições e reconstruir o exercício da democracia. Ao conversarmos com prefeitas e prefeitos de todo o Brasil,
durante as comemorações dos 30 anos da Frente Nacional de Prefeitos, reforçamos as convicções de que somente com respeito à democracia e à participação popular, construiremos países mais justos com os cidadãos, com
ambientes econômicos confiáveis e instituições fortes e estáveis.
Carolina Tohá, 54, cientista política, ex-prefeita de Santiago, capital do Chile, de 2012 a 2016.
Jonas Donizette, 54, prefeito de Campinas/SP, presidente da FNP
Publicado no dia 13 de dezembro de 2018, no O Globo - https://oglobo.globo.com/opiniao/artigo-brasil-o-proximo-chile-sera-24135080