Sem ISS, grandes cidades seriam as mais sacrificadas
Prefeito José Auricchio Júnior
Infelizmente, iniciamos mais um ciclo de debates sobre reforma fiscal no qual todas as propostas apresentadas focam no consumo (quem paga mais é o trabalhador), em vez de mirarmos renda e patrimônio.
A perspectiva dos países desenvolvidos é a de ter um sistema tributário simples, eficiente e equânime, resultando num binômio de justiça fiscal e social, respeitando-se os limites da Lei de Responsabilidade Fiscal e, finalmente, combatendo as disparidades sociais.
E essas desigualdades se traduzem não só em números e indicadores, mas também por meio de um sentimento difuso de injustiça social e frustração, concluindo-se de forma bem elementar que não basta a nenhuma reforma fiscal garantir somente o crescimento do Estado se ela não vier acompanhada de forte equidade, sendo que a desassociação desses dois fatores (crescimento e equidade) pode inviabilizar ainda mais o desenvolvimento brasileiro.
Até aqui, as duas propostas apresentadas pelo Congresso Nacional sacam o ISS dos municípios, um tributo que representa cerca de 40% da arrecadação das cidades brasileiras. Além disso, o ISS apresenta o melhor desempenho arrecadatório em relação aos demais tributos. Ele seria englobado a um novo imposto de maior amplitude arrecadatória e distributiva, o IBS (Imposto Sobre Bens e Serviços, que substituiria, também, o ICMS.
É imperativo que rejeitemos essa medida de forma veemente, baseando-se em vários estudos, como o da Frente Nacional de Prefeitos (FNP), em que aproximadamente os 400 maiores municípios brasileiros seriam os mais sacrificadas —justamente as cidades que têm arrecadação própria mais robusta. Consequentemente, as populações metropolitanas pagariam esse preço.
Nesse cenário, certamente haverá acentuada perda de qualidade de vida, representada por impactos negativos nos serviços públicos prestados por já combalidas administrações municipais, que realizam sobre-esforço para fazer frente aos investimentos em saúde, educação, segurança pública e ações sociais, geralmente com subfinanciamentos, uma vez que Brasília os represa crescentemente. Além disso, esse grupo de cidades já é o que menos depende de repasses dos governos estaduais e federal.
Do ponto de vista de valores democráticos e participativos, é fundamental que as entidades de representação municipalistas tenham voz nessa reforma, contribuindo não só na defesa unilateral dos tributos locais, mas também aprofundando o debate no sentido de medirmos a qualidade e a eficiência da gestão fiscal dos municípios.
É fundamental que a eficiência da gestão fiscal não seja mensurada apenas por um ranking, mas sim por medidas que componham um índice de efetividade fiscal por cada tributo e suas características próprias. Além disso, suas resultantes poderiam balizar processos interfederativos, como transferências de recursos voluntários e operações de crédito — condicionando, inclusive, metas fiscais futuras para correção e ajustes da receita tributária.
Sabemos que essa batalha não será fácil, mas é necessário que se prevaleça o bom senso. Seja qual for a sua resultante fiscal, que os municípios possam ter um período de carência e transição dos sistemas atuais para um novo modelo, de forma adequada, além de outras possíveis medidas compensatórias, reduzindo-se as atuais perdas.
Prefeito de São Caetano do Sul (SP), José Auricchio Júnior, vice-presidente de ODS da Frente Nacional de Prefeitos (FNP)
Artigo originalmente publicado na edição impressa da Folha de S. Paulo do dia 5 de dezembro de 2019