Dentre as reformas de que o Brasil vai precisar encarar a partir de 2019, uma das mais importantes e que mais rápido pode nos tirar do sufoco é a renovação do Pacto Federativo, dando mais poder, recursos e atribuições aos municípios. O Pacto abre espaço para a desconcentração dos recursos no governo federal, e a reestruturação da capacidade administrativa das cidades, que é aonde a vida acontece, já que 85% da população do Brasil é urbana.
Junto à descentralização de poder, precisamos de uma reforma administrativa, com desburocratização e desintermediação para que os recursos e serviços públicos cheguem na ponta. Há um espaço enorme a se ganhar em termos de eficiência com a redução de desperdícios e superposição de ministérios e secretarias, iniciativas e políticas, nos três eixos de poder, que mais brigam entre si do que colaboram.
Será necessária uma nova rodada de reestruturação de dívidas dos Estados e Municípios. Que agora seja com regras mais eficazes do que as da Lei de Responsabilidade Fiscal para antecipar e prevenir os riscos fiscais, e, idealmente, introduzindo-se também cláusulas de performance para a qualidade do gasto, ou seja, contrapartidas em termos de resultados sociais aos empréstimos.
O BNDES e outros bancos de fomento são os veículos mais adequados para instituir um novo modelo de governança pública para Estados e Municípios, com gestão orientada a resultados, avaliados com dados e pesquisas e uma boa estrutura de governança. Há diversos instrumentos financeiros sendo criados para inovar a sustentabilidade de projetos sociais visando maior impacto social e avaliação de resultados, tais como os títulos de impacto social e fundos patrimoniais (mais conhecidos por seus termos em inglês: social impact bonds e endowment funds). Estes instrumentos têm grande potencial transformador e precisam ser urgentemente regulados no Brasil.
Principalmente em momentos de crise, há de ser eficiente e criterioso na alocação do gasto público, aí incluído qualquer tipo de renúncia fiscal. Temos que ter instrumentos efetivos para avaliação do impacto social das políticas públicas, não só das iniciativas governamentais, como também as executadas pelo terceiro setor e as “privadas” que se utilizam de incentivo fiscal. Para se evitar a corrupção e tentar garantir uma trajetória de desenvolvimento sustentável para as cidades, metrópoles, estados, precisamos de um modelo de gestão de riscos urbanos e da criação de órgãos independentes de avaliação e monitoramento de políticas públicas. Não dá mais para deixar a raposa tomando conta do galinheiro.
Além da descentralização administrativa, é necessário também, a nível municipal, uma descentralização do poder das mãos dos prefeitos, com uma maior participação da sociedade civil na priorização e monitoramento do gasto público, através da descentralização territorial das políticas, em direção aos bairros e comunidades. A partir do fortalecimento de instrumentos como o orçamento participativo, os conselhos comunitários e parcerias público-privadas locais, com transparência e participação, é possível pensar em modelos de desenvolvimento territorial tais como no caso americano conhecido como business districts, no qual se inspirou o modelo de revitalização do Porto do Rio.
Uma pena vê-lo afundar tão rápido: por conta da falta de recursos, num imbróglio entre a prefeitura e a Caixa Econômica Federal, a Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio (Cdurp) esta semana anunciou que mais uma vez terá que suspender, a partir de 15 de junho, suas operações. Um bom modelo de gestão de riscos teria evitado mais esse fiasco no que deveria ter sido a maior parceria público privada do Brasil. Será que ainda há tempo para transformar a operação consorciada do Porto do Rio, tão bem desenhada e hoje sob regulamentação da CVM, numa boa referência, tanto em termos de governança pública quanto corporativa? Voltar a navegar entre estes dois mundos, com governança, ética e transparência, é preciso.
Eduarda La Rocque, ex-secretária de Fazenda do Rio de Janeiro/RJ