A recente disputa envolvendo os entes da Federação pelos recursos das multas arrecadadas pelo programa de repatriação reflete a necessidade inadiável de promovermos um diálogo efetivo e permanente entre os governos federal, estaduais e municipais.
Como se sabe, a União arrecadou por meio da chamada lei da repatriação cerca de R$ 50 bilhões. Metade a título de Imposto de Renda (IR) e metade com multa. Até novembro a arrecadação com o IR foi partilhada com Estados e municípios, conforme determina a Constituição. Cerca de R$ 5 bilhões para os Estados e outros R$ 5 bilhões para municípios.
A União, contudo, não partilhou os valores arrecadados com a multa, alegando que ela teria caráter punitivo, e não moratório. Violação gravíssima da Constituição Federal.
Ante o impasse, demonstrando o caráter de mora da multa, Estados e municípios judicializaram o tema e colecionaram seguidas vitórias.
A ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, determinou o depósito em juízo da parcela dos Estados. Juízes federais em dezenas de municípios, dentre eles pelo menos 13 capitais, também concederam liminares acolhendo a tese dos governos locais.
Em alguns casos, determinaram o depósito imediato do valor correspondente para os municípios.
Reconhecendo que a disputa indicava iminente derrota judicial, o governo passou a negociar a partilha da multa com os Estados. Nós, prefeitos, mantivemos nossa mobilização no sentido de exigir tratamento constitucional isonômico, reivindicando a partilha da multa ainda em 2016.
Na segunda (19), ao reconhecer a legitimidade do pleito, o governo federal editou a medida provisória 753/2016, prevendo a partilha da multa por meio dos Fundos de Participação dos Estados e dos Municípios. Todavia, cometeu mais uma violação constitucional ou, no mínimo, um equívoco involuntário: previu repasse imediato para os Estados e apenas em 1º de janeiro para os municípios.
Mais uma vez nos insurgimos. Afinal, a Constituição é clara: os entes federativos devem ser tratados isonomicamente. Ademais, faltam apenas dez dias para o encerramento dos mandatos dos atuais prefeitos, que precisam cumprir as determinações da Lei de Responsabilidade Fiscal, sob pena até de prisão.
Assim, atendendo nossa reivindicação, nesta terça (20) mesmo foi publicada edição extraordinária do Diário Oficial da União retificando a transferência para os municípios para o dia 30 de dezembro.
Essa medida ajuda, mas não resolve. Dia 30 não haverá expediente bancário, impossibilitando os prefeitos de honrarem compromissos, especialmente com o funcionalismo e o 13º salário. É perfeitamente razoável prever a transferência para o dia 29.
Ou seja, o aprimoramento do diálogo federativo não precisa implicar necessariamente mais transferências da União. Muitas pautas e medidas administrativas poderiam nos ajudar a avançar na direção de melhor qualidade de vida nas cidades, menos burocracia e um ambiente mais propício para a retomada do crescimento econômico, tão importante neste momento.
Em nome da Frente Nacional de Prefeitos reivindiquei uma audiência com o presidente Michel Temer para poderemos, de forma direta e objetiva, estabelecer uma agenda mínima para o aprimoramento do diálogo federativo. A judicialização do dia a dia da política não pode ser regra.
*Artigo originalmente publicado dia 21 de dezembro de 2016 no jornal Folha de S. Paulo