Por: Axel Grael - Prefeito de Niterói/RJ
Com muita tristeza, vi fumaça de queimadas por todos os lados e a destruição causada por elas. Muitos focos de incêndio e grandes extensões de áreas já queimadas. Alguns dos últimos fragmentos remanescentes de florestas estavam rodeados pelo fogo ou já estavam atingidos, com sinais de fumaça.
Nos morros, o que se vê hoje com frequência naquela paisagem são pastos degradados e tomados pela erosão causada pela queima reincidente, pela falta de cobertura do solo e pelo manejo inadequado, com sobrepastoreio. Com exceção de algumas poucas áreas com uma produção mais estruturada, com pecuária e plantios de cítricos e de alguma atividade turística nas margens do reservatório de Juturnaíba, vemos vastas extensões de terras planas e agricultáveis, mas degradadas e quase sempre ociosas. Em outros países carentes de terras para produzir, estas áreas seriam certamente valorizadas, cultivadas e produtivas.
Importante lembrar que a região também é de importância estratégica para o abastecimento de água, principalmente da Região dos Lagos, que tem em Juturnaíba o seu único manancial. A represa foi construída entre 1982 e 1984, inundando a Lagoa de Juturnaíba, então naturalmente existente, para aumentar a capacidade de estocar água dos rios São João, Capivari e Bacaxá. Trata-se do maior reservatório de água doce destinado ao abastecimento humano no estado do Rio de Janeiro (fonte), suprindo a demanda dos moradores de oito municípios, totalizando mais de 500.000 habitantes.
Tesouro natural
A visita e as cenas que vi me fizeram lembrar de algumas leituras que me marcaram.
No início da década de 1980, quando eu ainda era estudante de engenharia florestal, me encantava com a leitura dos livros escritos por um renomado geógrafo, geólogo e engenheiro chamado Alberto Ribeiro Lamego (1896-1985), natural de Campos de Goitacazes, autor da série "O Homem e o Brejo (1945)", "O Homem e a Restinga" (1946), "O Homem e a Serra" (1964) e "O Homem e a Guanabara" (1966). Escreveu também sobre a nossa Niterói em "A Geologia de Niterói na tectônica da Guanabara" (1945) e tantas outras obras importantes sobre a natureza e a históriado estado do Rio de Janeiro.
Certa vez, encontrei o contato do mestre no catálogo telefônico e tive a ousadia de ligar e pedir para conhecê-lo pessoalmente. Para minha alegria e surpresa, Dr. Lamego aceitou receber aquele jovem desconhecido! Fui carinhosamente atendido por ele e sua gentil esposa. O casal, já bem idoso, me recebeu em casa com café e bolo. Fiquei horas em instrutiva, agradável e inesquecível conversa com o casal. Dr. Lamego me mostrou a sua valiosa biblioteca e compartilhou muita informação.
Falamos principalmente sobre o "O Homem e o Brejo" e "O Homem e a Guanabara" e, claro, sobre Niterói. Ele me contava sobre a riqueza dos ecossistemas estuarinos e brejosos do RJ e como antigos povos indígenas lutavam entre si para defender a supremacia sobre essas áreas. A rica biodiversidade garantia a alimentação farta, portanto, a qualidade de vida de quem ali habitava. No processo de ocupação europeia, estes recursos foram desperdiçados através de processos e práticas inadequadas e perdulárias que duram até hoje. É o caso da prática do fogo.
Outra leitura que lembrei foi o registro feito pelo naturalista britânico Charles Darwin, em 1832, sobre a exuberância das florestas no entorno do Rio São João e o seu efeito sobre a umidade do ar:
"Logo que parou de chover, foi curioso observar a extraordinária evaporação que se começou a processar sobre toda a extensão da floresta. A uma altura de trinta metros, as colinas desapareciam em densa neblina branca que se erguia como colunas de fumaça saindo das partes mais cerradas da mata, especialmente dos vales" (Charles Darwin: "Viagem de um naturalista ao redor do mundo").
A "densa neblina" de umidade que Darwin se refere é um dos mais importantes serviços ambientais que a floresta proporciona. Esta umidade gera chuvas e abastece mananciais, que viabilizam a vida. É a evapotranspiração na Amazônia que garante a produtividade do agro do Cerrado e que umedece uma grande parte da América do Sul. Menos floresta, menos chuva. Menos chuva, mais riscos de incêndio. Um ciclo vicioso. É o que estamos vendo acontecer. Nos últimos dias, tomamos conhecimento de mais um relatório do MapBiomas que alertou que o Brasil ja perdeu 33% das suas florestas.
Lamentavelmente, a cena que Darwin descreveu já não existe mais. A neblina saudável proporcionada pela floresta agora dá lugar à devastação improdutiva e à poluente névoa de fumaça dos incêndios em vegetação.
A região também conta com a cobertura da Área de Proteção Ambiental (APA) da Bacia do Rio São João / Mico-Leão-Dourado, criado pelo Decreto Não Numerado de 2 de junho de 2002 e também sob administração federal pelo ICMBIO. Segundo o Plano de Manejo da Área de Proteção Ambiental (APA) da Bacia do Rio São João / Mico-Leão Dourado, publicado em maio de 2008, pelo ICMBIO, os marcos geográficos referenciais da APA são: limite da bacia hidrográfica do rio São João excetuando-se as áreas urbanas de Casimiro de Abreu e Silva Jardim, além da região ao sul do rio Bacaxá, na porção sul da bacia, formada por solos degradados ou com intensa interferência antrópica. Também são excluídas do perímetro da APA as Reservas Particulares do Patrimônio Natural e as Unidades de Conservação mais restritivas que a APA: Reserva Biológica de Poço das Antas, Reserva Biológica União, Parque Estadual dos Três Picos e Parque Natural Municipal do Mico-Leão-Dourado.
Conforme consta no Plano de Manejo, o objetivo de criação da APA foi ordenar o uso do solo no entorno das duas Reservas Biológicas, proteger o valioso e complexo sistema hídrico da região e conservar os ecossistemas associados à Mata Atlântica, como: Matas de Baixada, Matas de Morrote, Matas de Encosta, Mangues, Restingas e ambientes lacustrinos.
Reserva da Biosfera da Mata Atlântica - RBMA
As cenas desoladoras que vimos no sobrevoo do último sábado não ocorrem por falta de legislação ou forma de monitorar e identificar os responsáveis pelos focos de queimadas. Temos as leis e a tecnologia para isso. Há um enorme desafio que é superar uma prática fortemente disseminada na população urbana e rural de utilizar criminosamente o fogo para diversos fins, como mudança do uso do solo (desmatamento), "limpeza" de terreno, queima de lixo e até a prática ilegal e irresponsável de soltar balões. O problema é agravado pela falta de pessoal, estrutura e meios necessários para que os órgãos ambientais atuem na fiscalização e punição ao uso do fogo.