04/10/21

A reforma simples

Originalmente publicado em O Estado de São Paulo, em 28 de setembro de 2021

As propostas de reforma tributária que se encontram no Congresso Nacional – PECs 45 e 110 – preconizam a adoção de impostos de valor agregado com alíquota unificada – e têm nisso sua maior virtude. Mas, para tanto, propõem a mudança da competência dos impostos da origem para o destino, o que implica ganhos e perdas – além da criação de Fundos Compensatórios, para restituir eventuais perdedores. A conta não fecha para a União, que teria que desembolsar dezenas de bilhões num cenário de endividamento já preocupante. Nem para os contribuintes, que teriam aumento na carga tributária para financiar tal compensação.

Além disso, as PECs também elevam a carga tributária do setor de serviços, numa mudança de preços que pode acarretar resultados imprevisíveis para a atividade econômica, além de estímulos à sonegação. Os textos aumentam a complexidade do ambiente de negócios, ao criar longos períodos de transição – de até 50 anos.

Além disso, a construção de uma maioria qualificada – 3/5 dos Parlamentares – necessária para alterar a Constituição Federal – dificulta e quase impossibilita o desafio. Mais prático e objetivo seria entregarmos uma simplificação do sistema tributário por meio de uma reforma infraconstitucional, dependente apenas de Leis Complementares e de Resoluções do Senado – com maioria simples para aprovação nas respectivas Casas. Sem abrir mão da ambição reformista, produziríamos uma tributação capaz de “contratar” um PIB mais robusto já para 2022, escapando do experimentalismo econômico.

O que fazer, então? A proposta defendida pelos municípios é simples: reformar, de maneira fatiada, os tributos administrados pelos governos federal, estadual e municipal, sem alterar a competência tributária dos entes federativos nem tampouco promover mudanças distributivas tectônicas entre quem arrecada e os setores tributados.

Primeiro, corrigir o ICMS – de longe, o mais disfuncional dos impostos – para que ele se torne um IVA de “padrão ouro”: acabar com a cobrança “por dentro” – quando o imposto incide sobre ele próprio – e adotar o “crédito financeiro” em vez do “físico”, de maneira que todos os insumos adquiridos deem direito a crédito. Em segundo lugar, por Resolução do Senado, estabelecer poucas faixas de alíquotas nas operações internas. Ou, preferencialmente, uma única alíquota estadual.

A literatura mostra que sistemas tributários eficientes comportam poucas ou nenhuma exceção a alíquota única, eliminando a discricionariedade do policy maker sobre ganhadores e perdedores e reduzindo os custos do contribuinte, que se torna consciente do que, quando e como pagar seus impostos. Se os Estados concordaram com o conceito de uma alíquota única, por coerência, podem convencionar uma alíquota única para o ICMS.

Nas operações interestaduais, propomos uma solução pragmática: como na Resolução 13 do Senado, seria estabelecida alíquota única de 4% em todas as operações. Dessa forma, não seria preciso eliminar os incentivos fiscais dados “na origem” pelos Estados produtores, já que, com a adoção do “crédito financeiro” e da alíquota de 4%, o “calibre” dos incentivos fiscais reduz-se de maneira expressiva, retirando sua vantagem econômica. Escapamos, assim, da infrutífera discussão sobre a “convalidação” ou não dos incentivos estaduais. Funcionou plenamente na “guerra dos portos”; pode, portanto, funcionar neste caso.

No plano federal, a proposta dos municípios pode facilmente “acoplar-se” às ideias defendidas na CBS pelo ministro Paulo Guedes, unindo o PIS e a COFINS com alíquota única, “por fora”, e acabando com a sistemática cumulativa desses tributos no regime do lucro presumido. O IPI, por sua vez, tornar-se-ia um imposto seletivo, destinado a corrigir falhas de mercado ou onde houvesse externalidades, como nos casos da tributação de cigarros e bebidas alcoólicas.

Para os municípios, caberia uma reforma do ISSQN que unificasse 5.570 legislações em uma única lei complementar nacional, que estabeleceria uma alíquota única municipal, cobrança do imposto “por fora”, unificação de obrigações assessórias, nota fiscal, guia de pagamento e emissor nacional unificados e competência tributária majoritariamente no destino, isto é, onde o serviço é consumido.

Todas essas medidas não precisam de alteração constitucional e resultariam numa reforma ambiciosa, que resgataria a funcionalidade dos tributos atuais, sem aboli-los. Esse conjunto de medidas compõe a proposta do “Simplifica Já”. Uma abordagem pragmática para uma reforma que precisa ser sonhada com os pés no chão, sob pena de ficar na promessa.

*Jeferson Passos, bacharel em Ciências Jurídicas, presidente da Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais (Abrasf) e secretário municipal da Fazenda de Aracaju/SE

*Pedro Pedrossian Neto, economista, diretor técnico da Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais (Abrasf) e secretário municipal de Finanças de Campo Grande/MS

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