22/11/21

Teremos um federalismo 4.0?

Gilberto Perre, secretário-executivo da Frente Nacional de Prefeitos (FNP)

Entre os debates promovidos pelo IX Fórum Jurídico de Lisboa – Sistemas Políticos e Gestão de Crises, a mesa Federalismo 4.0 trouxe importantes reflexões. A iniciativa do IDP, Universidade de Lisboa e FGV estimulou discussões sobre a democracia e o futuro desse modelo de Estado.

É preciso reconhecer que, em paralelo à revolução industrial em curso, com ainda mais incorporação tecnológica, há tentativas de reconstrução de Estados populistas e totalitários. Em várias partes do mundo há o evidente questionamento do Estado Democrático de Direito. Nesse cenário, o federalismo poderá nos resguardar do que poderia ser chamado de ditaduras 4.0.

O federalismo promove e estabelece pesos e contrapesos para além da divisão de poderes. Com a existência concomitante do governo central e de governos subnacionais autônomos politicamente, administrativamente e financeiramente, promovem-se democracias mais sólidas.

Se, por um lado, o federalismo traz complexidades para estabelecer a clara e justa repartição das competências e receitas, por outro, previne a corrupção ao promover e aproximar os gastos públicos do controle social. Proporciona, ainda, a construção de políticas públicas que, de fato, possam atender com mais eficiência, eficácia e sustentabilidade as demandas sociais. Sob essas diretrizes, o federalismo continua oportuno.

Para a construção do federalismo 4.0 será fundamental reformar o federalismo fiscal com regras dinâmicas e mais justas, substituindo premissas estáticas e erráticas, vigentes desde a terceira revolução industrial. Por exemplo, ainda associam-se cidades populosas como cidades ricas e as menos populosas como territórios empobrecidos. Cabe destacar o g100, conjunto de municípios populosos com alta demanda por serviços públicos e baixíssima disponibilidade financeira, evidenciados pela Frente Nacional de Prefeitos (FNP).

Mas, quais seriam as premissas de um federalismo 4.0 no Brasil? Destacam-se três questões importantes e complementares entre si.

Primeira, rever os conceitos de simetria do federalismo, que equipara atribuições e responsabilidades para entes subnacionais tão diversos do ponto de vista socioeconômico, populacional e territorial. Tratar diferentemente entes subnacionais tão desiguais será indissociável de um federalismo 4.0.

A segunda seria buscar um federalismo que equilibre cooperação e competição, enfrentando inequidades tão evidentes. Nesse sentido, seria imprescindível construir e institucionalizar indicadores que meçam a eficiência arrecadatória dos territórios subnacionais. Importante destacar que tributo negligenciado em um território é pago pelos cidadãos dos demais entes, vizinhos ou não, reforçando assimetrias e injustiças. A insuficiência no oferecimento de serviços em educação, por exemplo, pode induzir cidadãos a buscarem atendimento em cidades vizinhas, que, por sua vez, poderá impactar em tributos mais onerosos e/ou na precarização de serviços.

A terceira questão propõe substituir a agenda do “diálogo federativo” pela governança federativa. Atualmente, esse diálogo se restringe às tentativas das lideranças subnacionais de pautar e processar, junto ao governo central e ao Congresso, a agenda do momento. Uma pauta restrita a possíveis concessões, especialmente fiscais, para problemas circunstanciais. Uma proposta de federalismo testada e superada, como a terceira revolução industrial.

Uma governança institucionalizada proporcionaria a arena competente para o processamento estruturante dos contenciosos federativos, indo além das comissões tripartites existentes, circunscritas a atribuições mais técnicas como em educação, saúde e assistência social.

É necessário avaliar permanentemente o dinamismo das políticas públicas e construir pactos nacionais para implementá-las e monitorá-las, estimulando a transparência. Por exemplo, prescinde de pactuação federativa, o transporte público urbano e metropolitano.

O reconhecimento legal específico das representações nacionais de governadores e prefeitos é condição imprescindível para a promoção da governança federativa. Viabilizaria a representação coletiva, a construção de posicionamentos e as condições concretas para as pactuações. Além disso, a institucionalização da governança federativa ofereceria um instrumento legítimo, preparado e apto para lidar com eventuais novos cenários que exijam ações coordenadas entre os Entes, como em uma possível nova pandemia.

Dessa forma, um federalismo 4.0 poderá proporcionar mudanças de paradigmas. A instituição de uma Assembleia Federativa Brasileira, como instância plena de governança e pactuação, entre os Entes federados, reforçará a democracia, a transparência e a participação cidadã.

*Originalmente publicado no Correio Braziliense de 22 de novembro de 2021. 

Última modificação em Segunda, 22 de Novembro de 2021, 08:39
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