29/07/19

'Ruas Completas': um modelo para democratizar e melhorar vias públicas

Movimento busca novas formas de projetar vias urbanas para acomodar todos seus potenciais usuários

Em muitas cidades, e principalmente no Brasil, as vias públicas são formatadas para veículos motorizados. Pedestres, ciclistas e pessoas com deficiências não têm a locomoção pela cidade facilitada.

São calçadas estreitas e esburacadas, travessias em cruzamentos perigosos, espaços inadequados para acomodar ciclistas ou cadeirantes, entre tantas outras dificuldades enfrentadas por essa parcela da população. Na verdade, essa situação atinge a todos, porque até mesmo os que utilizam veículos motorizados para se deslocarem, uma vez ou outra se tornam pedestres ou ciclistas.

Em função dessas dificuldades, surgiu o movimento denominado “Ruas Completas”, cujo objetivo é estruturar novas formas de projetar vias urbanas, procurando acomodar simultaneamente, e da melhor forma possível, todos os seus potenciais usuários.

Algumas características específicas são importantes nas vias onde se propõe adotar o conceito de “Rua Completa”.

A primeira delas seria estimular o compartilhamento de experiências entre as pessoas, possibilitando a interação entre diferentes usos. Nesse aspecto, as fachadas ativas estimulam o trânsito de pedestres e adicionam diversidade às vias na medida em que os edifícios acomodam usos residenciais e escritórios nos pavimentos superiores.

Mobiliário urbano adequado pode potencializar a experiência de uso do espaço público por pedestres e ciclistas. Móveis e equipamentos aliados a iluminação adequada e espaços verdes, bem planejados, proporcionarão ambientes mais seguros, saudáveis e atrativos.

Sinalização e acessibilidade podem ser peças fundamentais para garantir segurança. A informação clara sobre a organização e o funcionamento daquele ambiente viário orienta as pessoas a se utilizarem adequadamente dos espaços, que passam a servir a todos os usuários, principalmente aqueles com quaisquer tipos de deficiência, que precisam de sinalização e equipamentos especiais para se deslocarem com segurança e conforto pela cidade.

De qualquer forma, não existe um modelo único para o projeto “Ruas Completas”. As soluções e alternativas podem variar caso a caso. Mas o importante é que os objetivos sejam alcançados, principalmente com ganhos relevantes para o deslocamento seguro de crianças, idosos e deficientes.

No Brasil, esta ideia vem ganhando força e algumas experiências já foram realizadas.

Com o intuito de disseminar esse conceito em nosso País, a WRI Brasil (World Resources Institute) firmou parceira com a FNP (Frente Nacional de Prefeitos) e a Rede Nacional para a Mobilidade de Baixo Carbono, composta por 10 cidades brasileiras. Cada um desses municípios selecionou uma rua para receber um projeto-piloto de “Rua Completa”.

A primeira “Rua Completa” do Brasil, fruto dessa coalizão, foi implantada em 2017 na cidade de São Paulo, na Rua Joel Carlos Borges, no Brooklin. A realização do projeto foi avaliada dois meses após a sua realização e obteve aprovação de 92% dos usuários da via.

Movimento semelhante iniciou-se em 2004 nos EUA, pela NCSC (National Complete Streets Coalision), que ajudou a implementar mais de 1.400 projetos naquele país. Uma das referências nacionais é a Edgewater Drive, na cidade de Orlando, onde a reforma total da via resultou na diminuição de 40% dos acidentes de trânsito, com 71% a menos de feridos. O trânsito local, entretanto, sofreu queda de apenas 12%.

As abordagens sobre “Ruas Completas” variam de acordo com o contexto e a comunidade local. Elas podem incluir vários elementos, como calçadas, ciclovias, corredores de ônibus, diferentes tipos de cruzamentos, sinalização para pedestres e diferentes maneiras de formatar a paisagem urbana. Contudo, o importante é que os municípios compreendam a importância desses conceitos, identifiquem suas vias prioritárias e, de alguma forma, se engajem no processo de implantar “Ruas Completas” em suas cidades


Claudio Bernardes
Engenheiro civil e presidente do Conselho Consultivo do Sindicato da Habitação de São Paulo. Presidiu a entidade de 2012 a 2015.

Artigo originalmente publicado na Folha de S. Paulo em 29 de julho de 2019.

 

Última modificação em Segunda, 29 de Julho de 2019, 16:15
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