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15/04/20

Esperar o melhor, mas se preparar para o pior

Firmino Filho, prefeito de Teresina/PI, vice-presidente Nacional da Frente Nacional de Prefeitos

 

Nos últimos 30 dias, ouvimos cada vez mais palavras como extraordinário, calamidade, emergência e guerra. Todas elas são adequadas ao momento em que vivemos devido à pandemia do coronavírus (COVID-19), que já matou mais de 100 mil pessoas ao redor do mundo, tendo chegado com força no nosso País. Os efeitos do novo coronavírus ainda são bastante incertos na nossa sociedade, na economia e nas instituições. Mas, ao mesmo tempo que é necessária prudência no combate presente, temos que ser proativos no meio da escuridão. Saindo do imobilismo e da retórica, prefeitos de todo o Brasil estão tomando medidas duras, mas necessárias, compatíveis com os cargos que ocupam.

Estão exercitando a liderança de uma cidade no meio de uma quarentena global comparável às grandes guerras do século passado.

Os governos locais são os mais demandados pela população. Pela proximidade, precisam garantir o atendimento às necessidades mais rápidas e às mais urgentes. Neste momento, é necessário manter e ampliar rapidamente serviços básicos como saúde, assistência social, limpeza urbana e garantir que as medidas de isolamento social sejam efetivas. Cabe lembrar que quase metade da assistência pública hospitalar e ambulatorial é ofertada pelas Prefeituras, especialmente das grandes cidades. Por outro lado, a arrecadação deve ter uma redução expressiva por conta da fraca atividade econômica. Além de estarmos diante de choques de oferta (mesmo quem quer produzir não consegue) e de demanda (mesmo quem quer comprar não consegue),espera-se crescente inadimplência no recolhimento de impostos. O efeito final ainda não está plenamente quantificado, mas é certo que será um choque bastante adverso, visto que o PIB (Produto Interno Bruto) nacional poderá encolher até 7%, segundo estimativas da revista The Economist.

Outro fato quase consensual, alinhado ao pensamento do Banco Mundial, do FMI (Fundo Monetário Internacional), de renomados economistas e de quase todas as nações do mundo, é que o déficit fiscal irá ser ampliado mundialmente, no mínimo, durante o ano de 2020. Em outras palavras, governos nacionais poderão e deverão aumentar a emissão de dívida pública, sem precisar afetar a credibilidade da condução da responsabilidade fiscal, uma vez que a atual situação é extraordinária. Neste cenário, escolhas não antecipadas e absolutamente temporárias não afetam a boa reputação dos policymakers. Um exemplo deste comportamento são os EUA, do Presidente Donald Trump, um expoente da nova direita mundial, que lançaram um pacote de USD 2,3 trilhões, quase 10% do PIB americano.

Na reação americana, USD 850 bilhões foram destinados exclusivamente para governos locais, especialmente, prefeituras de cidades com mais de 500 mil habitantes, tendo inclusive incluído a recompra das dívidas dos entes locais. Mais ainda, há no Congresso americano um pacote extra de USD 250 bilhões para ajudar todas as cidades, independente do tamanho. O PIB Brasileiro é de cerca de USD 2 trilhões de dólares.

Diferentemente dos norteamericanos, no nosso caso, os entes subnacionais, Estados e Municípios, não podem emitir dívida livremente e precisam sempre de aprovação da União, o que é saudável para o equilíbrio de longo prazo da nação. Apenas o Governo Federal pode atuar nesse momento de calamidade. Aliás, tem a obrigação de reagir ao extraordinário. E é exatamente por isso que os municípios precisam que as lideranças de Brasília demonstrem responsabilidade com sua população.

Até o momento, apenas a garantia dos recursos do FPM nos níveis de 2019 foi encaminhada pelo Palácio do Planalto. Este fato é importante, especialmente para os municípios menores, FPM dependentes, mas insuficientes para garantir a sobrevivência dos Municípios médios e grandes, que dependem fortemente da cota-parte municipal do ICMS e da arrecadação própria, como o ISS, e que concentram nos seus territórios mais de 80% da rede de média e alta complexidade dos serviços de saúde. Além disso, 95% dos casos da COVID-19 estão em cidades com mais de 80 mil habitantes.

O que se está pedindo, adicionalmente ao já sinalizado positivamente pelo ministro Paulo Guedes, é que seja expandida essa equalização de receitas à arrecadação de ISS e à da Cota-Parte de ICMS. Para os Municípios, essa conta não deve passar dos R$ 30 bilhões, valor equivalente à cerca de apenas 0,4% do PIB nacional, sendo que boa parte é apenas refinanciamento e será pago pelos residentes da cidade no futuro próximo.

O momento pede serenidade, responsabilidade, proatividade, e, principalmente, união e solidariedade entre as instituições. Os pleitos das Prefeituras são apenas para garantir que o vírus não seja ainda mais letal e não desestruture completamente a oferta de serviços básicos para a população, em especial, a saúde e a assistência social. Não se trata de “bomba”ou “farra fiscal”. Estamos todos de acordo que a responsabilidade fiscal é um dos pilares do crescimento econômico sustentável de longo prazo. No entanto, medidas de curtíssimo prazo são necessárias, sob pena de recriarmos a barbárie. O fato de se usar a escada de emergência durante o incêndio não significa que o elevador é uma tecnologia superada que tem que ser abandonada depois que o fogo foi debelado e a vida normal retomada. Lembre-se: fique em casa. E lave sempre as mãos.

 

Artigo originalmente publicado no Jornal Meio Norte em 15 de abril de 2020.

 

Última modificação em Quarta, 15 de Abril de 2020, 10:27